sexta-feira, 14 de maio de 2010

O mau exemplo que vem de cima

BLOG REPÓRTER DO CRIME, 14 de maio de 2010


O mês de maio nem ultrapassou a segunda quinzena e já coleciona dois casos de impunidade envolvendo pessoas acima de qualquer suspeita. Na verdade surgiu mais um, o do procurador-geral de Justiça do Distrito Federal, Leonardo Bandarra, que pode ser investigado pelo Conselho Nacional do Ministério Público por suspeita de ligações com o mensalão do DEM. O procurador é suspeito de ter vazado informações de inquéritos em troca de...dinheiro. Está em reportagem do "Estado de São Paulo" de hoje.

Os outros dois casos são mais escandolosos ainda. Uma procuradora de Justiça aposentada e o secretário nacional de Justiça, do Ministério da Justiça, têm seus nomes manchados por acusações ainda não comprovadas, mas que a cada dia revelam indícios cada vez mais fortes de veracidade das denúncias. A procuradora aposentada foi indiciada por tortura de uma menina de dois anos, a quem tratava, além da violência física, por diminutivos de animais do campo ("vaquinha"), segundo atestou gravação feita por desafetos da procuradora. Só que a situação ficou ainda mais grave desde que a procuradora, em vez de colaborar com a Justiça - que ainda lhe paga o salário - preferiu fugir de prestar contas com a sociedade. Ela se entregou hoje e a Justiça negou que responda ao processo em liberdade. Saiba mais no site do GLOBO.

Ainda que não tenha havido violência física, o caso do secretário nacional de Justiça é igualmente grave, sobretudo pela posição dele. É um elemento do terceiro escalão do governo e no topo da pirâmide do Ministério da Justiça, órgão do governo federal que lida diretamente com a segurança pública e proteção dos cidadãos brasileiros. O governo Lula mais uma vez foi lento na punição de seu pessoal, mas finalmente o ministro Luiz Paulo Barreto decidiu afastar o secretário nacional de Justiça, que deixou o cargo dizendo estar de férias para ter mais tempo de fazer sua defesa.

O caso de Romeu Tuma Júnior é daqueles em que quanto mais o sujeito se explica mais se vê envolvido numa teia que tem como protagonista ninguém menos que um dos maiores contrabandistas do país, o chinês conhecido como Pau Li, Tuma Júnior viajou e posou para fotos com Paulo Li, na China. Segundo revela o Estadão de hoje, o objetivo da viagem era discutir a cooperação entre Brasil e China nas áreas de combate ao crime organizado e lavagem de dinheiro. Hummm. Deixa eu ver se entendo¿ O secretário nacional de Justiça levou para uma reunião dessas o homem que conhece bem sobre crime organizado, só que seria ele próprio o beneficiado pela assessoria e com a possibilidade de fazer excelentes contatos com integrantes do governo chinês, se é que já não os tinha.

Seria mais ou menos como o diretor da delegacia de combate ao tráfico da Polícia Federal levar com ele um grande traficante de drogas para participar de uma reunião para definição de estratégias internacionais de combate ao tráfico, com especialistas da americana DEA (Agência de Repressão às Drogas), nos Estados Unidos. Nem que o traficante tivesse se confessado arrependido valeria à pena o risco de vazamento de informações.

O Caso Tuma Júnior veio à tona com reportagem do Estadão, que publicou relatório no qual investigação da Polícia Federal revelou que o secretário aparece como suspeito de ter usado o prestígio do cargo para liberar mercadorias apreendidas, que seriam do contrabandista Paulo Li. Escutas telefônicas mostraram o secretário e um assessor dele dizendo que relaxariam a apreensão de mercadorias no valor de 180 mil dólares, no Aeroporto de Guarulhos. Com uma amizade dessas, o contrabandista chinês não precisaria de mais nada para ter seu caminho livre para a prática de crimes como o contrabando e a pirataria, Apesar dos indícios, Tuma Júnior nega tudo, mas não deu entrevista ao jornal que levantou a lebre.

Outra característica que une os três casos – de VIPs da Justiça suspeitos de prática criminosas – é o silêncio diante da opinião pública. Tanto a procuradora aposentada, como o procurador-geral de Justiça do DF e o secretário nacional de Justiça afastado fogem da imprensa como morcegos da luz do dia. Como pessoas que excercem ou exerceram cargos públicos, nenhum deles deve renegar o dirieto do público à transparência que deve marcar a gestão pública.

Todos são inocentes até que se prove o contrário, mas ninguém – sobretudo no poder público – tem o direito de se negar a prestar esclarecimentos e a colaborar com a Justiça. E para que o processo transcorra sem qualquer sombra de dúvida o alvo da investigação deve ser afastado do serviço público.

REPÓRTER DO CRIME
Jorge Antonio Barros - Cobre criminalidade e segurança pública desde 1981. É editor-adjunto de Rio do GLOBO. Tem dois prêmios Esso e ganhou, em 2007, o Prêmio de Jornalismo do AfroReggae e a menção especial do Prêmio Tim Lopes de Jornalismo Investigativo. É integrante do Fórum Brasileiro de Segurança Pública

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