terça-feira, 27 de setembro de 2011

Emendas ao orçamento, uma história de submissão do Legislativo e de corrupção

INSTITUTO AME CIDADE, 27 de setembro de 2011


As emendas ao orçamento têm sido uma moeda de troca usada cada vez com mais desfaçatez pelos deputados pelo país afora. E este artifício que turbina carreiras políticas tem feito cada vez mais mal à democracia. Impede uma avaliação clara da população das qualidades reais dos políticos e acaba distorcendo o papel dos parlamentares.

É um processo que contagia até as câmara municipais, onde hoje muitos vereadores se apresentamde forma propagandística como "liberadores de emendas" e esquecem do dever constitucional de fiscalizar o que a prefeitura faz.

Depois que a proposta do orçamento na forma de projeto de lei - Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) - chega ao Congresso Nacional, ela passa a receber as emendas de deputados. Estas podem obedecer ao interesse público ou a grupos de interesse em que os lobbies de empreiteiras têm um peso muito forte, mas como a liberação de emendas depende de uma negociação com o Executivo na maioria das vezes cercada de fisiologia, na maioria das vezes o interesse público acaba perdendo.

Recentemente foi muito divulgado na imprensa a denúncia de que o atual ministro Paulo Bernardo teve uma atenção além de sua obrigação técnica com a liberação de verbas para a obra de construção do Contorno Norte, em Maringá. A construção se arrasta além do prazo e seu custo já é o dobro da proposta original.

Bernardo foi acusado pela revista Época de ter usado o avião da construtora Sanches Tripoloni, responsável pela obra. A Sanches Tripoloni fez doações para a campanha ao Senado de Gleisi Hoffmann, mulher de Bernardo, e também para o deputado petista Ênio Verri, ex-chefe de gabinete de Bernardo e atual pré-candidato do PT à prefeitura de Maringá.

Da forma que está estabelecida, por meio de emendas individuais, as emendas ao orçamento acabam sendo um instrumento que mais serve para alavancar carreiras políticas do que ao interesse público. Para coibir este aproveitamento, há os que defendem que emendas sejam feitas apenas por bancadas. Com isso, acabaria esse negócio de deputado posar como se fosse doador de dinheiro público para prefeituras. Mas essa mudança evidentemente só poderia vir com uma reforma política decente, o que parece estar longe da pauta da maioria dos políticos.


Medida serve como controle do
Legislativo e turbina carreira
política de muitos deputados

Hoje as emendas são objeto de uso tanto pelo governo, que controla sua base política por meio da liberação desse tipo de verba e também pelos próprios políticos da base, que para pressionar por suas emendas, fazem pressão até contra projetos do interesse público.

Na prática, o Congresso acaba perdendo sua função com órgão fiscalizador e o deputado não exerce seu papel como legislador e acompanhador dos atos do Executivo. O deputado via um despachante que atua como mero intermediário.

O peso dessas emendas no fortalecimento das carreiras políticas é tamanho que existe uma luta interna entre os parlamentares para integrar a Comissão Mista de Orçamento do Congresso, que teoricamente dá suporte técnico e político para as negociações entre congressistas e o Executivo. Mas essa comissão acaba servindo mesmo é de intermediária do jogo político em que o deputado troca com o governo seu poder de voto.

Mas toda emenda tem seu preço. O deputado que não vota conforme o interesse do governo está fora da distribuição de verba pública, o que diminui muito a qualidade da representação desses deputados perante o interesse da população. É claro que um deputado atuante, daqueles que cobram os ministros ou qualquer outra autoridade, não terá espaço para propor emenda alguma.

O próprio deputado Alex Canziani (PTB) teve um destaque na imprensa há cerca de três meses, quando votou a favor do Regime Diferenciado de Contratações (RDC), que nada mais é que a anulação da Lei de Licitações. O RDC foi criado a princípio para acelerar obras da Copa (atrasadas pior incapacidade do governo), mas é óbvio que este desmonte da Lei de Licitações não está planejado para ir além da finalização dessas obras.

Mas isso tudo não é uma novidade vinda com o PT, apesar de o partido ter sistematizado a coisa com a incoerência que já é parte da sua qualidade histórica.

Quando Fernando Henrique Cardoso foi presidente da República, os parlamentares do PT vigiavam os sistemas de informática do governo federal para, a cada emenda liberada, fazer discursos no Congresso ou denunciar na imprensa a “compra de votos”.

Hoje evidentemente o PT não vê problema algum com as emendas. E agora, como naquele tempo, o processo acaba servindo como uma forma de controle das bases políticas como um eficiente canal de manipulação do eleitorado. E também é evidente que prefeituras da oposição acabam sofrendo muito neste processo. E também fica muito mais difícil a renovação política no nível de deputados federais, estaduais e até nas Câmaras Municipais, pois as verbas acabam sempre sob o controle de grupos restritos e permanentes na política.


História das emendas lembra
os "Anões do Orçamento"
que
cobravam propinas em Brasília

A marca mais forte das emendas ao orçamento na história política brasileira está na famosa CPI do Orçamento feita pelo Congresso em 1998, quando foi descoberto um esquema de propinas montados por deputados que atuavam na Comissão do Orçamento. O caso ficou conhecido como o dos “Anões do Orçamento”.

O esquema era pesado. Na época, a Polícia Federal descobriu uma mala com mais de 600 mil dólares na casa do então chefe da Assessoria de Orçamento do Senado, José Carlos Alves dos Santos.

No início do primeiro governo Lula, ainda em 2003, foi também muito discutido o método levado à frente naquele ano pelo então ministro da Casa Civil, José Dirceu, quando o Palácio do Planalto decidiu liberar R$ 1 milhão para cada parlamentar da base de sustentação do governo. Foi o começo da formação da base do governo petista, que já está no terceiro mandato e segue com as emendas como combustível político essencial.

Como na época os parlamentares da base eram 371, a liberação chegou à fortuna de R$ 371 milhões, o que escandalizou até alguns parlamentares petistas naquele início de poder. E para organizar a distribuição de verba pública, o governo Lula determinou que cada líder de bancada ficasse encarregado de fazer uma listinha com seus liderados.

De lá para cá nada indica que os procedimentos tenham ficado mais éticos. É provável que os métodos estejam mais sofisticados, mas a roubalheira parece ter se mantido, pois tem até deputado que confirma que o comércio de emendas enriquece os políticos. Foi o que fez o deputado paulista Roque Barbiere (PTB) numa polêmica entrevista feita recentemente. Barbiere disse que 30% dos deputados da Assembléia de São Paulo vendem emendas. O Ministério Público já está investigando o assunto.

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