terça-feira, 1 de junho de 2010

Licitações unem famílias Justus e Curi

GAZETA DO POVO, 1 de junho de 2010

Parentes dos deputados que comandam a Assembleia se associaram em entidades e empresas para operar e, ao mesmo tempo, dar lances em pregões eletrônicos municipais


Dois filhos do presidente da Assembleia Legislativa do Paraná, deputado Nelson Justus (DEM), e um irmão do primeiro-secretário da Casa, Alexandre Curi (PMDB), são associados de uma bolsa de licitações que atua em 20 prefeituras do Paraná e movimentou ao menos R$ 40 milhões na organização de pregões eletrônicos para a compra de produtos nos últimos dois anos. Nelson Cordeiro Justus (filho do presidente da Assembleia) era, até abril, o presidente da Bolsa de Licitações e Leilões (BLL). Renato Cordeiro Justus, outro filho de Nelson Justus, foi presidente do conselho fiscal da BLL até a mesma data. E Rodrigo Maranhão Khury (irmão do deputado Alexandre Curi) ocupava o cargo de vice-presidente do conselho fiscal da Bolsa. Os três também são sócios na corretora Pregnet, que opera representando empresários em licitações on-line que podem ser realizadas na BLL, juntamente com outros concorrentes.

Serviço cobrado - Não é feito nenhum tipo de licitação para contratar a BLL. Como a bolsa não cobra nada das prefeituras para organizar e realizar os pregões eletrônicos, basta que seja assinado entre as partes um termo de acordo. Isso não significa trabalho de graça. Empresas que vencem licitações para vender às prefeituras pagam um porcentual do valor do contrato firmado para a BLL.

Se o produto comprado tiver preço superior a R$ 40 mil, a bolsa cobra R$ 600 do empresário que ganhou a disputa e vai vender para a prefeitura. Se o valor for menor que R$ 40 mil, o pagamento deve ser de 1,5% do montante negociado. A cobrança é fracionada: em muitas compras, os produtos são divididos em lotes e a taxa é cobrada em cada arremate. Assim, em único pregão realizado neste ano no ambiente da BLL para a compra de material de expediente para uma prefeitura, a bolsa ganhou o direito de arrecadar cerca de R$ 100 mil.

Dentre as diversas bolsas que prestam serviço para prefeituras no Paraná – tais como o sistema de compras do Banco do Brasil, da Caixa Econômica e da Confederação Nacional dos Municípios (CNM), – a BLL é a única que utiliza o modelo de cobrança por porcentual negociado.

A legislação que determina as regras do pregão eletrônico estabelece que a bolsa deve ser uma associação sem fins lucrativos e que pode arrecadar apenas o suficiente para a manutenção dos serviços.

O Cidade Compras, mantido pela Confederação Nacional dos Municípios, e a plataforma da Caixa não cobram taxa alguma. O Comprasnet, para aquisições do governo federal, e o E-com­­pras, da prefeitura de Curitiba, também não. O sistema do Banco do Brasil, o mais usado no país, cobra R$ 279 de taxa anual única de empresas que queiram vender pelo sistema.

Já a Bolsa Brasileira de Mercadorias (BBM-Net), controlada pela BM&F Bovespa e que presta serviço a aproximadamente 90 prefeituras no Paraná, cobra R$ 242 anualmente de cada empresa que pretende vender para o poder público. A BBM-Net arrecadou com taxas no ano passado, em todo o Brasil, R$ 105 mil – praticamente o mesmo valor que a BLL obteve em único leilão.

Novo mercado - A realização de pregões eletrônicos é um filão de mercado, aberto e em expansão. Recomendações de vários Tribunais de Contas do país forçaram prefeituras a informatizar o sistema de compras. Sem dominar a tecnologia para isso, delegaram a função para bolsas administradas no setor privado. Um funcionário público, chamado de pregoeiro, continua à frente do processo, mas a organização do ambiente eletrônico em que empresas dão lances de preço passa às mãos da iniciativa privada.

A BLL atua justamente nesse nicho de mercado. Ela realiza pregões eletrônicos em pelo menos 20 prefeituras do Paraná, entre elas três de grande porte: Ponta Grossa, Cascavel e Guarapuava. Também são clientes da Bolsa 26 cidades de Rondônia, uma do Mato Grosso (Cuiabá) e uma em Santa Catarina (Itapoá, cidade vizinha de Guaratuba).

Criada no final de 2008, a BLL conquistou o primeiro cliente em janeiro de 2009: a prefeitura de Contenda, comandada por Hélio Boçoen (DEM), do mesmo partido de Nelson Justus. Há ainda contratos firmados com administradores municipais que, de alguma forma, tiveram relações com Justus. A prefeita de Guaratuba, Evani Justus, que é do PSDB, assinou um contrato com a BLL de seus sobrinhos. Também fecharam acordo com a bolsa os ex-deputados e atuais prefeitos de Cascavel e Guarapuava, Edgar Bueno (PDT) e Luiz Fernando Ribas Carli (PP).

Há também um outro nome ligado à Assembleia que aparece na composição da BLL. Ademar Nitshcke Júnior, filho da advogada Celina Galeb Nitschke, constava como administrador da BLL. Nitshcke Júnior já foi contratado do gabinete da presidência da Assembleia, do qual foi exonerado em fevereiro de 2009. Celina foi contratada em fevereiro de 2009 no gabinete da presidência.

Em 14 de abril – portanto depois do início da série Diários Secretos, divulgada pela Gazeta do Povo e pela RPC sobre desmandos e irregularidades na Assembleia Legislativa – sem qualquer previsão no estatuto, foi alterada a composição do quadro da BLL. Os sobrenomes Justus, Khury e Nitschke sumiram do comando da Bolsa. Mauricio Bonatto Guimarães assumiu a presidência da BLL.


Recadastramento “expurgou” 33% dos funcionários da Assembleia Legislativa
A Assembleia Legislativa do Paraná divulgou ontem a lista de servidores da Casa, elaborada depois de um recadastramento funcional. A listagem traz 1.308 funcionários comissionados, 33% a menos do que o total de 1.941 servidores divulgados no ano passado, na chamada “lista da transparência”. Outros 454 funcionários efetivos constam na relação.

Funcionários da Assembleia presos na Operação Ectoplasma I (realizada pelo Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado – Gaeco), como Abib Miguel (ex-diretor-geral) e José Ary Nassif (ex-diretor administrativo), não constam no documento. Já Cláudio Marques da Silva (ex-diretor de pessoal), que também está detido, aparece na relação.

A lista divulgada traz o nome dos servidores, a lotação, a nomenclatura do cargo, o número do ato de nomeação, o ano da nomeação e a data da publicação em Diário Oficial.

Diário - Também foi divulgada ontem a primeira edição on-line do Diário Oficial do Legislativo. Segundo o deputado Durval Amaral (DEM), designado pela Mesa Executiva como responsável pelos diários na internet, edições antigas também serão disponibilizadas no site. Mas não há um prazo definido para isso.

Ao chegar à sessão, ontem, o presidente da Assembleia Legislativa, Nelson Justus (DEM), fez menção ao movimento “O Paraná Que Queremos” para comentar a divulgação. “É um dia histórico. Estamos mais próximos da Assembleia que queremos”, disse.

Mais tarde, já em plenário, Justus afirmou que a divulgação dos funcionários e o Diário Oficial on-line estão entre os maiores avanços do Legislativo paranaense. “Ainda há muito o que fazer, mas nem o mais cético pode dizer que nós não avançamos o máximo que pudemos durante os últimos anos.” Apesar da comemoração dos parlamentares, a própria Portaria 445 estabalece que a lista pode não ser definitiva (leia matéria ao lado).

Resposta - O recadastramento funcional com a divulgação dos funcionários e a publicação dos Diários Oficiais na internet foram as principais respostas da presidência da Assembleia à divulgação, pela Gazeta do Povo e pela RPCTV, da série de reportagens “Diários Secretos”, que revelou escândalos da administração do Legislativo.

Na primeira semana de denúncias, o presidente da Assembleia disse que a remodelação da casa seria feita “doa a quem doer”. Segundo Justus, a publicação era uma prioridade desde que ele assumiu a presidência da Casa, em 2007. No entanto, antes da publicação das matérias, o acesso aos diários era praticamente impossível. A explicação era de que eles estavam sendo encadernados ou digitalizados. Os próprios diretores da casa, que posteriomente foram apontados por uma sindicância como responsáveis pelas irregularidades, deixaram os cargos por conta própria ou só foram afastados depois de manifestações formais do Ministério Público.



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